"Um corpo sem alma é como um disco de vinil que não toca ..."

"O jornalista fere no peito o escritor. O escritor repele o jornalista, por esmagá-lo, por obrigá-lo a renascer quase sempre de um mesmo patamar. Feliz daquele que, nesse embate, consegue servir, e bem, aos seus dois senhores..."

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sexta-feira, 7 de julho de 2006

Da série: Gonzo Urbano – episódio verde amarelo


Vinte e poucos minutos do primeiro tempo, 0 a 0, saio as ruas do meu bairro para ver o que se passa. Perambulo por vários quarteirões em busca de alguém para conversar. Já na primeira quadra, encontro um homem, meia altura, negro, sem os dentes da frente e cambaleante. Ué, não está vendo o jogo do Brasil? Ele vacila na resposta, mas manda: “é que eu tava trampando, to indo ver agora”. Trampando naquelas condições é que não podia estar. E vc trampa onde? “Ah, ali em cima”, responde o rapaz indo embora, “to indo ver o jogo!” e quase cai ao subir na calçada. Continuo a subida. As únicas pessoas que parecem inertes aquilo tudo são as crianças. Divertem-se estourando bombinhas e correndo pra e para . No terceiro quarteirão encontro uma, uns 11 anos em cima do muro observando “o movimento”, como eu. Não tá vendo o Brasil jogar? Ele balança a cabeça que sim. Mas vc está aqui fora! E ele não responde nada, apenas sorri discretamente e fica me olhando ir embora, olho para trás e ele continua me observando...

Dobro o quarteirão. Duas pessoas e um carrinho de bebê descem a rua. Vocês não estão vendo o jogo? “Estamos sim, tava na casa da minha mãe, to indo pra minha casa, moro logo ali”. O cheiro e o som das vias públicas são unânimes: churrasco e a voz do Galvão brotando de todas as casas. E parece que o primeiro tempo não foi muito bom para o Brasil. Todas as vezes que eu conseguia ouvir algo era a França com a bola nos pés. Numa casa a seguinte frase com voz feminina surge: “se continuar assim, o Brasil vai tomar um safanão”. Continuo caminhando e um garoto se diverte sobre um monte de areia. Eu adorava fazer aquilo. Ele nem se importa que seu tênis encha de areia e suje tudo, totalmente desligado da seleção brasileira, melhor pra ele. Parece que o primeiro tempo está chegando ao fim, calculo uns 20 minutos da caminhada solitária.

Encontro um senhor na frente a uma casa de repouso pública para idosos. A pergunta é a mesma: não tá vendo o jogo?
“Não, aqui não tem tv, nem rádio. Tinha um rádio, mas a menina levou”.
Mas vc trabalha aqui ou é morador?
“Trabalho, ajudo aqui”.
E bem na hora do jogo?
“Fazer o que né”, diz sorrindo.
Então o senhor gosta, achei que não gostasse muito de futebol...
“Até queria estar vendo, mas não tem importância, quando sai os gols a gente fica sabendo pelos fogos, mas parece que a coisa está feia para o Brasil né”. Ele também já sabia, não sei como. E finaliza:
preciso ficar aqui cuidando, o jogo depois a gente vê o resultado...

Num bar, os marmanjos chingam, e ouço: “pressão do França, o Brasil recua” – a voz do Galvão. Retorno pra casa, arrumo algumas coisas. Começou o segundo tempo. Vou-me para o centro da cidade agora. Porém antes a vontade de ir ao banheiro e realizar o número 2 é maior. Do trono ouço um grito de gol. Deduzo que é francês, nenhuma reação de lugar nenhum, como na final de 98. O silêncio confirma a hipótese amarga.


No centro da cidade...

Rumo ao centro comercial de Bauru próximo ao posto de gasolina escuto: “ninguém se aproxima do Ronaldinho, assim tá difícil” – o Gavião Bueno reclama.
Sigo então pelo viaduto da rua 13 de maio. Para minha surpresa existem ônibus circulando, pessoas também, raríssimas. Num ponto de ônibus, enquanto aguardam o coletivo, uma mulher, baixinha, morena e beirando 54 anos propõe soluções: “o Robinho tem que entrar logo!” O jogador-craque já estava em campo. Ela ouvia o jogo pela tv de uma farmácia. Aliás, ambas drogarias que encontro pela frente estavam abertas, o supermercado não. As farmácias, aliás, iguais: todos os funcionários reunidos numa única parte do recinto sentados de frente com a tela da globo.
Após anotar algumas coisas, me direciono para a famosa via de comércio da cidade: o calçadão da Batista de Carvalho. No trajeto, ouço um burburinho que de maneira crescente se transforma em gritos de Uuhhh!
Não foi dessa vez e nem seria vez nenhuma. O grito do gol inexistente também estava entalado na minha garganta, como na de todos em toda parte. No calçadão, um número maior de pessoas. As primeiras a serem abordadas sobre a partida, que a esta altura girava em torno dos 35 minutos, respondem: “o jogo tá ruim!” Por que? “O Brasil tá perdendo, assim não dá pra assistir” e sorriem francamente para mim. Encontro um rapaz, 40 e poucos anos, disse que precisava ir “ali em cima”, que estava com pressa e me avisa, como se eu não soubesse: “Está 1 a 0 para a França”. Anoto as frases e prossigo em direção a um bar, ainda no calçadão da Batista. Lá alguns amontoam-se do lado de fora. O bar-lanchonete-de-chinês era tipo um grande corredor não muito largo. De um lado cadeiras e mesas, do outro o balcão. Lá no fundo um espaço maior, onde estava a maioria dos torcedores. Questiono os espectadores sobre as possibilidades do Brasil. “Shiii rapaz, o Brasil tá na UTI, o Parreira é burro demais”. Todos ao redor concordam. Naquele momento, eu ali parado também prestando atenção ao jogo, esperando a cobrança de falta do Gaúcho, penso que parecia impossível esta seleção sair da Copa, perder um jogo. Tenho a impressão, mesmo ali tão próximo da desclassificação de que a vitória virá a qualquer momento. Talvez porque não tenha visto o jogo. O chute vai longe e ouço o melhor comentário de todos: “o Ronaldinho como jogador da seleção brasileira dá um ótimo jogador de clubes.” Perfeito. “Cara vai dar tristeza, dói ser brasileiro” – grande hipocrisia. Vou-me embora antes do apito final, porém não pra Pasárgada, mas para a república Bravata. Os torcedores verde-amarelos realmente não querem guardar os fogos para uma outra data, assim como na final de 98. A história se repete. Na Bravata estranham minha aparição logo após o fim da partida. Explico as circunstâncias e adentro as análises epitáficas dos que lá estão: “Pelo menos na próxima Copa o Brasil não entra como favorito e os velhos não jogarão mais” – palpita Renato Malandro. Ele diz ainda que se os jogos fossem aqui, os torcedores iriam quebrar tudo, virar os ônibus da França, invadir o campo, queimar bandeiras, enfim “causar geral”. Não duvido mesmo. Converso um pouco, permaneço por lá uns 40 minutos, gravo um cd e recupero minha bike já há vários dias guardada na república e parto na “pedalada” para o próximo destino: república Galhofas. A produção de algo para um Sarau Cultural me aguarda. Penso em comprar um pão, a fome aperta, mas nunca foi tão difícil comprar um pãozinho
“francês”.

10 comentários:

Anônimo disse...

Pãozinho francês!!! Genial!!

Esse texto tem algumas conclusões interessantes, como do cara que descobriu que doi ser brasileiro só depois que a seleção perdeu um jogo de futebol na copa.

Sorte dele.

Pra mim doi ser brasileira todos os dias.

Copa do mundo é um tempo interessante. Só assim pra te dispensarem do trabalho e da escola pra ver televisão. Ou vai dizer que no final da novela das oito - outra grande paixão nacional - eles dispensam? Pois é...

Também é interessante ver a cidade toda enfeitada. Não sei ai, mas aqui em Lodrina a gente pena pra ver um enfeite de Natal em dezembro. Em epoca de copa do mundo eu vi até um poodle pintado de verde-amarelo. Estou falando sério. O.o

bola pra frente... ou melhor, vida pra frente, já que a bola continua a rolar sem nós lá na Alemanha. rs

beijos e até o proximo circo... (o pão, como vc descobriu, é francês eu acho que a população vai ficar sem por enquanto... rs)

Anônimo disse...

Ah não, futebol, não... eu não aguento mais; O BR já saiu da copa certo? então... ponto, acabou o assunto!
beijos querido... estou te devendo né?
Vou colocar sim teu link.

Anônimo disse...

Realmente, genial a do pão francês!!!
Gabriel, vc escreve com paixão, eu tenho um puta orgulho de vc!!!!
Sem palavras... grande bjo!

H.R. disse...

Cara, esse ano nao era pra copa do mundo memso. Tanto feirado prolongado, pessoas reclamando da queda do movimento em estabelecimentos comerciais, cancelamentos de entrevistas de emprego...
nao da, nao da.

(valeu pela força lah no blog! espero q vc tenha visto a hom,enagem na descriçao do blog)

Gde abço

Se Deus eh brasileiro, pq ainda comemos o pao q o diabo amassou?

Claudinha ੴ disse...

Adorei o jogo de cores e palavras, mas o desfecho foi sensacional! Beijos!

Cristiano Contreiras disse...

Você sabe descrever o cotidiano como ninguém!

Anônimo disse...

Não só o pão francês foi dificil... passar os olhos no meu livro e dicionário de francês foi deprimente...

Anônimo disse...

Que belo desfecho!!!!!!!! adorei o pãozinho francÊs e a exploração das cores!!!!

O sarau ficou prometendo um post.... várias reflexões... e nenhuma palavra a respeito.... hunf!!!!!!!!!

Bjos e chega desse blogg por umas duas semanas!!!! hehehehe

Anônimo disse...

Here are some links that I believe will be interested

Anônimo disse...

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