Avistou de longe, na esquina, parado. A carrocinha cata-papel ao lado, estacionada. Roupas meio sujas, chinelo havaiana surrado, pés imundos, agora descalços; camiseta do Flamengo, década de 90. Uma raridade, cê precisa ver! Tinha ouvido falar do Zico e do Junior, mas não sabia quem eles foram. Lia as notícias da cidade. Lia, como se ler soubesse. E a carrocinha ao lado, quieta; o cachorro também, sem dar um pio, deitado à beira da sarjeta, com a língua de fora, a observar o movimento.
Passou um carro, passaram quatro, cinco. Passou a fome também, a pé, descalça e vendendo balinhas de goma. Uma delícia que só vendo. Puxou o cigarro e a caixinha de fósforos. Acendeu, ficou pitando como se cachimbo fosse; cuspiu de lado, resmungou.
2. Interno. Casa do Ramon Coraçãozinho – sala – dia.
3. Meio longe dali – centro da cidade: Rua das Almas Felizes – noite.
Escureceu. Dois jovens forasteiros malabaristas brincavam com seus objetos, enquanto nos ônibus pessoas retornavam do ganha pão, ouviam uma nova bela canção. E o motorista só matutava chegar em casa e devorar a marmita. Depois de sobremesa, sua garota. Que maravilha de lingerie cor de sangue. Que maravilha de bunda e coxas grossas, roliças.
- Boa noite seu motorista!
Disse: Boa noite.
Voltou. Acelerou. O busão foi-se e os jovens malabaristas forasteiros (isso significa apenas que eles eram de outra cidade) continuaram lá, entretidos com bolas voadoras e claves que rodam bonito no ar. Um sujeito aproximou-se. Certamente nunca tinha escutado I want you (i want you so – she´s so heavy e por que não: she´s so heavy e sometimes cold?). Possivelmente. Estabeleceu diálogo. Outro sujeito também chegou. Também estabeleceu diálogo. Quis fazer malabares com bolinhas. Ficou umas meia hora jogando e toda hora caindo no chão. Deixou os forasteiros malabaristas encabulados. Mais encabulado ainda estava o Ramon do Coraçãozinho da outra estória, pensando em seus sonhos reais, que já não eram mais coloridos. Depois de cento e três tentativas mal-sucedidas, finalmente conseguiu fazer as bolinhas voarem. Passou um minuto. Saiu um pouquinho, caminhou, uns trinta e sete passos. Não pediu licença ao sair. O outro sujeito ficou lá, com dor no pescoço, incomodava. Passou uma ambulância, o sujeito foi lá ver. Voltou apressado para perto dos malabaristas forasteiros e perguntou:
- Sabe o sujeito que estava aqui tentando fazer malabares com bolinhas?
Balançaram a cabeça.
- tá lá estirado, sofreu perfuração lateral crônica que atingiu as costelas e o pulmão; a outra afetou artérias e o coraçãozinho. Usaram facas Quinzo. Vamos lá ver?
Balançaram a cabeça negativamente.
Ficaram de cara.
Ou então lhe desse um ácido na mão de presente e depois fizesse crer que aquele sonho nem era tudo aquilo, embora soubesse que era tudo aquilo; que só queria ficar ali perto dela. Já bastava. É. Exatamente.
2 comentários:
a culpa é da distancia ou do feromonio?
nossa... que delícia ler isso.
Me vieram um monte de idéias!
um beijo!
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